quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

SALVANDO O INIMIGO

por Marcia Santos

Elizabeth Salgado Pimenta, 43 anos, casada, assistente social e psicóloga, moradora da Tijuca. Teve seu único filho, Henrique, morto em um assalto no bairro onde morava, no ano de 2003, ele tinha apenas 17 anos.

Dizer que essa experiência mudou a vida de Elizabeth é uma redundância, tantas foram às mães que já passaram por caso semelhante. Como não mudar a vida ao perder um filho?

A história começou no dia 6 de março daquele ano, às 14 horas ela recebeu um telefonema do colégio onde Henrique estudava, eles pediam para que ela seguisse com urgência para o Hospital Souza Aguiar, segundo eles, seu filho tinha sofrido um grave acidente. Então desesperada ligou para o marido e correu para o hospital, não se lembrou nem de trocar de roupa. A partir do momento que entrou no táxi tudo são “flashes”, vagas lembranças. A porta do hospital, a recepção de informação, o policial, o médico.

“_ Lamentamos, mas seu filho ao resistiu ao tiro!” – “Tiro! Tiro! Tiro”, a palavra se repetia como um eco.

As lembranças daquelas horas e de algumas que se seguiram permanecem em “flashes” até hoje, a chegada do marido, gritos, amigos, abraços, lágrimas. Seu filho.

_ Uma semana depois de enterrar meu filho, recebi a notícia de que o assassino dele havia sido preso. Naquele instante pensei: Preso? Esse criminoso deveria estar morto. – desabafou Elizabeth.

O assassino era outro jovem de 19 anos, já com uma longa ficha criminal, morador da comunidade do Turano. Ali, ao lado da casa.

Elizabeth e o marido conseguiram que o jovem fosse a julgamento, mas no dia da sentença final, quase dois anos após a morte de Henrique, ela foi surpreendida e as coisas tomaram um rumo diferente do esperado.

_ uma mulher jovem, mas com aspecto cansado e abatido veio em minha direção, seu olhar era triste, acho até que mais triste que o meu. Olhou bem nos meus olhos e disse: “Desculpa, eu não queria isso. Eu fiz tudo que pude, mas não consegui salvar seu filho! Desculpa.”, em seguida descobri que era a mãe do jovem assassinado. Fiquei ali parada, não respondi, eu não conseguia pensar direito.

Nos dias que se seguiram ela se sentia incomodada com aquele acontecimento. Era um sentimento estranho, que não conseguia definir. Conversou com várias pessoas a respeito e mais uma vez o destino colocou uma “nova vida” a sua frente. Débora, uma amiga que há muito tempo não via. Encontraram-se casualmente, durante a conversa que girava em torno da morte de Henrique e do julgamento, Elizabeth contou o que tinha acontecido e como estava se sentindo.

_ Débora, então com muito cuidado, fez uma leve insinuação para que eu procurasse um serviço de auxílio a crianças carentes e talvez ali eu entendesse o que estava acontecendo. Depois de amadurecer a idéia fui a uma instituição para menores carentes, ali mudei meu destino, transformei minha dor em trabalho. Comecei com pequenos trabalhos voluntários até que resolvi voltar a faculdade e fazer serviço social, algum tempo depois também comecei a estudar psicologia.

Elizabeth ainda iria encontrar um dos seus maiores desafios pessoal. Com os estudos e o aumento do trabalho voluntário ela resolveu reunir os amigos e montar uma ONG começou a planejar tudo, qual seria o objetivo, quais atividades seriam feitas e onde.

_ Não conseguia definir nada, achava que tudo era bom e ao mesmo tempo ruim. Então, repassei em mente tudo o que havia acontecido para que eu chegasse até aquele momento. Até que cheguei a conclusão, vamos ajudar aos jovens infratores e as suas famílias e tem que ser no Turano. Só não imaginei como seria trabalhar naquela comunidade. Ainda restava no meu coração que aquelas pessoas dali tinham tirado o meu filho.

Entrar naquela comunidade foi muito sofrimento para Elizabeth, mas ela colocara na cabeça que o destino a levara para lá.

Alugaram uma pequena casa, no começo ficavam lá, Elizabeth, Renato, um amigo advogado e voluntário, o “Cana”, um policial da comunidade que indicava quais os menores precisavam de ajuda e Maria das Dores, também moradora da comunidade, que trazia as famílias. Em pouco tempo a procura pelos serviços da ONG aumentaram, alugaram uma casa maior e trouxeram mais pessoas para ajudar.

Atualmente a ONG Direito de Ser conta como fixos com doze advogados, cinco psicólogos, três assistentes sociais e dois médicos, fora os colaboradores eventuais, todos voluntários. O trabalho consiste principalmente no processo judicial dos jovens infratores e sua recuperação junto com a família, como muitos estão envolvidos com as drogas a instituição procura tratamentos médicos e clínicas de reabilitação. Ajudam a família toda, muitas vezes com emprego para os pais, escolas para os irmãos e em alguns casos a reformadas residências.

Elizabeth conclui assim sua trajetória:

_ Perdi meu filho sim, mas hoje em cada jovem que ajudamos, eu recupero um pedaço dele. E fico realizada de ver que muitas mães estão deixando de perder seus filhos, não importa de que lado da arma eles ajudam. Tanto perde a mãe do filho que morre, quanto à mãe do que mata. Hoje eu consigo entender o sentimento que caiu sobre mim no final daquele julgamento.

Eu mudei o meu destino e o de muitas mães. – completa ela.

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